quarta-feira, 21 de março de 2007

Dia Mundial da Poesia - Orgias Vocabulares

E porque hoje é dia mundial da poesia, para além de ser o inicio da Primavera, aqui fica um declamar de autenticas idiotices pelos nossos grandes nomes da historia Portuguesa(tirando a floribela)...heheheh ....as partes de Pessoa e Ary estão muito boas:-)

Orgia vocabular - I

Diria Camões à sua amada:

De vós senhora, é meu coração cativo
Em meu peito guardo vossa imagem serena.
Oh donzela de olhar distante e altivo
Meu coração por vós arde, meu corpo por vós pena.

Se um dia no meu leito vosso corpo reclinar
Quedar-me-ei admirando vossa forma e formosura.
Oh deuses! Cegue eu do outro olho se ousar profanar,
Vosso corpo, vosso encanto. Oh divina criatura!

Diria Bocage a uma ex-donzela:

Eu, Bocage não seria, se ao ver-te seminua
Não levantasse tua saia, tuas rendas e teus folhos
Não montasse e cavalgasse tuas ancas
A minha espada desembainhada, entesoada.

Eu, Bocage não seria, se ao ver-te deitada no leito
Pernas abertas a preceito, não te tirasse virgindade e honra
E se no final da peleja donzela fosses, eu, Bocage,
Arrancaria não um olho! Mas os tomates e a minha porra.

Florbela suspiraria pelo amado:

Ah vem…
Espero-te deitada só de suspirar fico cansada
Sem fôlego, trémula, sem alento.
Meu amor, vem…
Mas vem depressa
Ou quando chegares estarei dormindo a sesta
E terás perdido ao vir, ou não.
O meu desejo, o ensejo, o momento.

Ary declamaria arrebatado:

Meu amor. Meu amor.
Deitada não és certeza. És espanto.
Amar-te não é arder em fogo brando
Mas soltar corpo, grito, pensamento.
Arder em fogos brandos é para parvos
E burgueses de desejo fraco, coisa mole e verso breve.
Contigo meu cavalo solto até ao orgasmo.
E me arrebento no teu corpo
E me revejo no teu espasmo.

E Pessoa questionar-se-ia:

Penso que te amo. Mas será que te amo?
Vou fumar um cigarro na esplanada
E pensar mais um bocado.
Amo-te?
Ou como poeta sou, finjo amor e amando-te não te amo?
Não sei!
É melhor esperares deitada.
Digo-te lá mais para o fim da tarde.


Orgia vocabular II - Da criação. Do poeta

Ary pariria o poema:

Nasce nas veias o poema
Agiganta-se.
Filho no ventre
Sangue que corre
Poema volume
Convulsão.
Poema
Sémen palavra
Corpo êxtase
Loucura
Parto
Construção.

Florbela suspiraria o poema:

Ai… Esta inquietude, este desassossego
Que me faz pegar na pena.
Ai… Que penosos são os versos
E que penas, meu amor,
Penando te descrevo.
Ai… Assim penando permaneço
Na tristeza me aconchego
E no canapé, meu amor,
Quando a pena repouso
Desfaleço...

Pessoa questionaria o poema:

Se poesia é aquilo que sinto
Será poema aquilo que escrevo?
E o que esqueço
E se minto
E o que omito?
Se não fica tudo escrito
Será poesia o que sinto
Ou mera reflexão afinal?

Torga faria da Pátria poema:

Um poema nasce
Nos campos da minha Pátria.
Agreste é a paisagem
Forte o poema que cresce
Nos campos da minha Pátria.
Livre o poema ergue-se
E no céu sereno parte.
Fica a Pátria.

Orgia vocabular III - Do coito

Diria Camões à sua amada:

Oh divina e fermosa criatura! De vós o coito não quero... Mas o amor
E quedar-me assim a vossos pés prostrado
Admirando-vos e cantando-vos em estrofes e sonetos
Não maculando, senhora, vossa excelsa fermosura
Quer com pensamentos impuros... Quer com meus dedos.
De vós senhora, quero os ouvidos nada mais.

Diria Bocage entre folhos:

Se a mim, Bocage, deixasses vós
Tão escondida que estais entre pejos e saiotes
Espreitar vossa greta tão pequena.
Verias em meus calções a frente alçada
E meu porraz se agitando aos pinotes.

Sentirias entre as pernas tais calores
Que as escancarias expondo-vos a meus ardores
E me dirias a mim Elmano, vossa voz, não a minha, cavernosa
Vem Bocage, dá-me tua porra, teu porraz
Que em alvoroço estou... E aguentar-me mais não sou capaz.

Florbela suspiraria no canapé:

Ah … Do coito nada sei … Só da espera
Neste longo e lânguido entardecer
Em que te espero, meu amor, e te demoras
E eu aqui reclinada a fenecer…
Vieras tu, meu amor, à tardinha
Ficaras tu comigo, meu amor, a noite inteira
E do coito saberia escrever de manhãzinha
E ao coito dedicaria não um soneto mas uma ode inteira…

Ah…. Como espero que me deixes feita num oito…
Num coito….

Ary arrebatado:

Meu tesão inteiro e puro
Duro
Caneta
Sólido amor
Antes do coito
Antes do orgasmo
Que é esta tinta e este sémen
Com que escrevo e te descrevo
Meu poema
Não castrado
Minha liberdade
Do coito
Do acto do espanto
Do espasmo.

Pessoa questionar-se-ia:

Penso que vi um coito
Daqui. Da minha esplanada
Por entre o fumo que me tolda os olhos
Por entre as duvidas que me embotam os sentidos
Mas naquela posição seria mesmo um coito?
E se era coito…
De que espécie seria?
Se ele estava de pé e ela ajoelhada?

Ah…. Como é triste o coito
Que o poeta só vê.

Orgia vocabular IV - Da penúria do poeta

Diria Camões sem cheta, com pena, à sua amada:

Minha pena tenho já no extremo fio
De tão gasta, Senhora, de tanto uso lhe dar.
Como arranjarei para vos escrever nova pena?
Se nem um cêntimo, Senhora, tenho para gastar.

E nem aos cisnes poderei roubar uma pena
Para vos mandar novas de mim, Senhora, ai de mim, coitado.
No reino grassa o temor de praga estranja
A gripe das aves traz a todos em cuidados.

Nestes tempos de tormentos e magras bolsas
Fechai bem, Senhora, de vossa casa o ferrolho.
Ah a desdita e a má fortuna que nos fazem assim andar
A vós descalça, Senhora... E a mim teso e sem um olho.

Diria Bocage fazendo um manguito:

Convidado Zacarias a sentar-se à farta mesa
Onde os poderosos e ricos jantavam.
Recusou pão, pinga e convite
Desconfiando, Zacarias, da esmola que lhe ofertavam.

- Oh Zacarias quem te julgas tu!
Perguntou um dos convivas, olhando-o zombeteiro.
- Um rico do pobre quer tudo, até o cu,
Respondeu Zacarias,
E o meu não se vende
Nem por pinga, nem por pão
Nem por nenhum dinheiro.

Florbela transpiraria no canapé:

Ah … Quando penso em ti meu amor...
Fica tão quente este meu pobre e triste corpo abandonado.
Ah… Não fora estar tão lisa como o meu Alentejo
E compraria um canapé com ar condicionado...

Esperar-te-ia, então, de bom grado meu amor
Desde o raiar do sol até à noitinha.
Ah meu amor… Tivera eu um ar condicionado
E a espera seria bem mais fresquinha.

Ary declamaria arrebatado:

Poeta que é poeta
É um esfomeado!
Um órfão
Um deserdado!
Árido, estéril
Se sem inspiração
Sem poesia.
Poeta que é poeta
É um operário!
Um teso, um pobre
Um libertário
Que constrói de mãos nuas
O poema itinerário,
O verso em que caminha.
Ao poeta que é poeta
Pode faltar tudo!
O vinho, o pão
E o conteúdo.
Mas que não lhe falte a musa
Pois morre o poeta
Que não come poesia.

Pessoa pensaria olhando o porta-moedas:

“Não sou nada.”
Não tenho nada
Nada quero senão meditar.
Mas davam-me jeito uns trocados
Que o dono aqui da esplanada
Já me disse quinze vezes:
- Queres fiado? Nem pensar!

Orgia vocabular V - Da Vulva

Diria Camões à sua amada:

Como perdoar-me, minha amada, do rubor que o vosso rosto assolou?
Do tremor tão intenso que de vosso corpo se apossou,
Que vacilaste nos passos, e na relva fria caístes?
Como perdoar-me, minha amada, ter proferido a palavra, a indecência,
Que feriu mortalmente vossos ouvidos, e chocou vossa inocência?

Se indulgente, não fores, nem mais um verso escreverei.
Minha pena, minha amada, ante vós, eu quebrarei!
E nem mais um pato depenarei,
Se pena não tiverdes de minha alma penada.

A vossos pés, prostrado, a alma sangrando, vos rogo...

Ai minha amada!! Não me batais mais no cangote!!
Que eu perca já o outro olho se por baixo de vosso saiote,
Vossa vulva, eu espreitava ou intentava ver .

Diria Bocage entre folhos:

Eu, Bocage não seria, se ao vislumbrar uma vulva,
Não lhe descrevesse a forma, os eflúvios, o calor .
E não me caísse da mão a pena, e não me caísse a mão na vulva.
E não intentasse tomá-la, ser dono e senhor.

E à entrada do paraíso, eu Bocage, me postaria,
De porrete desembainhado, ajustando a pontaria,
E triunfante entraria na rubra vulva com meu porraz!
E assim, eu Bocage, aos outros mostraria, sem manos!
Do que um sadino é capaz!

Florbela suspiraria no canapé:

Ah… Meu amor...Vem com o vento...
Vem ligeiro e traz contigo o remédio, o unguento,
Para sarares este meu sofrimento....
Que o canapé já não aguento,
Se nele comigo, tu não te deitares...

Ah…. Meu amor... Souberas tu...
De como sem ti, a vulva não é vulva, mas brasa,
Que depressa chegarias,
Que voarias como o pensamento...
E nunca mais ninguém diria,
E nunca mais ninguém julgaria,
No trabalho... Um alentejano... Lento…

Ary arrebatado:

É na vulva que um homem mostra a força
E a rebeldia!
É na vulva que penetra a semente
E a anarquia!
É na vulva que o homem deixa
Orgasmo
E tesão!
É na vulva que começa a criação
Do operário!
É na vulva que começa a luta
Do proletário!
Vulva é revolução!

Pessoa questionar-se-ia:

Vi uma vulva.
Acho que era uma vulva….
Se não era uma vulva...Era uma vaca!
São muito traiçoeiros os nevoeiros na Dinamarca,
E as vacas parecem vulvas, e as vulvas parecem vacas.
Mas acho que era uma vulva a que vi no nevoeiro.
Mas se já vi mais vacas que vulvas,
Não estarei sonhando na vaca
A vulva que desejo….
E não tenho?